O advogado tributarista Roberto Quiroga, sócio do escritório Mattos Filho, em seu escritório em SP
Diante da necessidade de encontrar soluções para o rombo nas contas públicas, o governo vem aumentando a pressão fiscal sobre as empresas de forma desproporcional, o que pode comprometer a saúde financeira de algumas companhias ou levá-las até mesmo a quebrar.
Essa é a avaliação do advogado Roberto Quiroga Mosquera, especialista em tributação e sócio do escritório Mattos Filho, um dos maiores do país. “Ao mesmo tempo em que olha o cardápio de impostos para ver onde pode aumentar a arrecadação, o governo está asfixiando as empresas”, diz.
Segundo ele, as multas impostas pelo fisco estão se avolumando e não há espaço para o debate na área administrativa. “No último ano, a Fazenda ganhou 96% dos casos. Não é razoável imaginar que as pessoas farão quase tudo errado e o fisco sempre acertará”, afirma.
Ele argumenta que a via judicial ficará cada vez mais difícil para as companhias, já que os bancos serão mais restritivos em dar garantias para os depósitos judiciais e as empresas terão dificuldade em desembolsar os valores durante a crise. “A parede está próxima e ninguém está vendo”, diz.
Dentre as medidas apresentadas pela equipe econômica para o ajuste fiscal, Quiroga considera a CPMF um “mal menor”. Mas, frente à severidade da crise, diz não acreditar que a contribuição resolverá o problema.
Está cada vez mais difícil imaginar que faremos o ajuste sem aumento de impostos. Qual é a melhor solução?
Roberto Quiroga Mosquera – É preciso, claro, cortar gastos públicos. Sou contra aumento de imposto. Mas, imaginando que não dá mesmo para cortar agora, o que geraria menos impacto seria, sem dúvida, a CPMF.
Ela é vista como impopular.
Ela é o mal menor. Há isonomia, pulverização. Incide sobre o consumo e, por isso, as pessoas resistem menos a pagar. Você sabe quanto pagou de imposto num perfume? Não. E você compra porque quer tê-lo. Agora, se aumenta o seu imposto de renda, dói. E tem a vantagem de pegar a informalidade. A Cide [combustíveis] e a CPMF são as menos doloridas. Agora, com a crise econômica, as variáveis de renda e receita, que sustentam 80% da arrecadação tributária do governo federal, vão cair. Ou seja, estamos correndo atrás de R$ 30 bilhões e, em breve, vão surgir outros R$ 30 bilhões para cobrir.
Não resolve o problema?
Quando o Levy fala que a questão fiscal é séria, ela é. Pela primeira vez como tributarista não vejo mais fontes de receita para tirar tributo. Qualquer coisa a mais, o barbante quebra. O Estado ficou muito grande para o volume de obrigações sociais que a gente quer dar. Da década de 90 para cá, a carga tributária subiu de 20% para 37%. Junto a isso, temos outro problema, pressionando especialmente as empresas, que são as discussões com o fisco. Estamos chegando numa situação limite.
Por quê?
Hoje, há cerca de R$ 600 bilhões na seara administrativa e o estoque está crescendo. Na Justiça, há em torno de R$ 1,4 trilhão. As autuações do fisco são como as multas de trânsito: as pessoas podem recorrer, mas quase ninguém ganha. No Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais], independentemente dos casos de corrupção que surgiram com a Operação Zelotes, no último ano, a Fazenda ganhou 96% dos processos. Não é razoável imaginar que as pessoas farão quase tudo errado e o fisco sempre acertará.
As empresas podem recorrer ao Judiciário.
Aí que está o problema. Quando a empresa sai da disputa administrativa e vai para o judiciário, de cara a dívida já cresce 20%. É a chamada descrição de dívida. Para discutir na Justiça, ela tem de fazer o depósito de 100% da autuação. Como vai fazer isso num auto de infração de R$ 1 bilhão, R$ 5 bilhões ou R$ 10 bilhões? Não dá. A fiança bancária custa 2% ao ano, só que não há banco que a conceda para uma autuação de bilhões de reais. Depois, há o seguro-garantia, que também é difícil de se conseguir para valores muito grandes. Por um lado, as autuações aumentam. Por outro, o mercado não dá os instrumentos para que a empresa possa discutir os débitos. Ainda mais na crise.
Mas hoje as empresas recorrem à Justiça.
Sim, mas dois terços do contencioso ainda é “podre”. São contribuintes que o fisco não consegue encontrar, laranjas, execuções que não correm. Agora está chegando o contencioso bom, de reestruturações societárias, de empresas legítimas e reais. Se você pegar as 30 maiores companhias abertas do país, todas já têm discussões relevantes. E essas companhias, que têm negócios de verdade, terão muita dificuldade de debater na Justiça. A parede está próxima e ninguém está vendo.
O que fará o “contencioso bom” aumentar?
O governo vinha lançando Refis atrás de Refis [programa de renegociação de débitos] e, com isso, o contencioso bom não chegava ao Judiciário.
Por que isso é um debate importante neste momento?
O governo está tomando uma série de ações para pressionar as empresas, como a medida provisória 685, que chamamos de “dedo duro”. Ela diz que, se a empresa não avisar ao governo sobre seu planejamento fiscal, pagará multa de 150% mais o imposto. Houve ainda a portaria determinando maior rigor dos procuradores da Fazenda. Ao mesmo tempo que olha o cardápio de impostos para ver onde pode aumentar a arrecadação, o governo está asfixiando as empresas. Isso vai desaguar no Judiciário. E lá as companhias vão bater com a cabeça na parede.
Mas não é justamente o dever do fisco autuar?
Sim, mas o fisco está exageradamente fiscalista, com interpretações equivocadas. Das autuações, 30% são com multa agravada, que são as multas de 150%. São multas confiscatórias. O juro cobrado é a taxa Selic. Imagina um débito de dez anos com essa taxa? Esse conjunto de coisas impede que uma empresa séria discuta o débito. É difícil, claro, dizer qual lado está certo. Mas a verdade é que isso vai desembocar num problema grave. Teremos um choque.
Fonte: Folha de S.Paulo